“Se o meu irmão me estende a mão, e pede um pouco do meu pão, e eu não respondo, digo "não", errei de rumo e direção. Nessa mesa de perdão, o pão e vinho elevarei, e pensando em meu irmão, o meu Senhor receberei. Quero ver no meu irmão a imagem dele, meu irmão que até nem tem o necessário pra ter paz. Quero ser pro meu irmão a resposta dele, eu que vivo mais feliz e às vezes tenho até demais.” Pe. Zezinho, Scj
O mês de setembro tornou-se referência para o estudo e a contemplação da Palavra de Deus, tornando-se em todo o Brasil, desde 1971, o Mês da Bíblia. Desde o Concílio Vaticano II, convocado em dezembro de 1961, pelo papa João XXIII, a Bíblia ocupou espaço privilegiado na família, nos círculos bíblicos, na catequese, nos grupos de reflexão, nas comunidades eclesiais.
Neste ano, a Igreja no Brasil, em sintonia com a Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB, propõe o lema “Abre tua mão para o teu irmão” (Dt 15,11). A cada ano, o mês da bíblia propõe o estudo de um livro da Bíblia. Neste ano de 2020, o livro da Bíblia proposto é o do Deuteronômio. O livro do Deuteronômio pertence ao Pentateuco, ou seja, o pertence ao conjunto dos primeiros cinco livros da Bíblia que narra o início da formação do povo de Deus e as leis estabelecidas. O livro do Deuteronômio, composto por 34 capítulos, é um livro rico em reflexões morais e éticas, com leis para regular as relações com Deus e com o próximo. Destaca-se no Deuteronômio a preocupação de promover a justiça, a solidariedade com os pobres, o órfão, a viúva e o estrangeiro. São leis humanitárias encontradas também no Código da Aliança (Ex 20-23).
A sociedade necessita de leis que ajudem a construir relações baseadas na justiça e no direito especialmente para aqueles mais privados das condições básicas de uma vida digna. Quanto maior é o nível de evolução de um povo, menor é a necessidade de impor leis e maior é a facilidade de atualizar as leis existentes.
O Deuteronômio foi escrito para iluminar e orientar o povo de Deus em uma situação de crise social e religiosa. Certamente, a lei era conhecida em Israel, mas faltava o aprofundamento. Esse é o motivo da insistência do livro na dimensão espiritual da Palavra. A Palavra não é uma lei externa apenas escrita no livro, mas precisa ser inscrita no coração: “Pois esta palavra está bem perto de ti, está em tua boca e em teu coração, para que a ponhas em prática” (Dt 30,14).
A lei instrui, aponta o caminho para realizar a vontade de Deus. Esta se expressa na observância do mandamento do amor, resumo da lei interiorizada e assimilada: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua força” (Dt 6,5). E depois acrescenta: “Estejam no teu coração estas palavras que hoje te ordeno” (Dt 6,6). Esse mandamento do amor a Deus junto ao mandamento no Levítico: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18) forma aquele que é o grande ensinamento de Jesus, resumo de toda a Lei e os Profetas (Mc 12,31). O mandamento novo do amor é o testamento deixado por Jesus, antes de partir deste mundo para o Pai.
O Deuteronômio se apresenta composto de vários discursos de Moisés, como um testamento espiritual, pronunciado antes de sua morte na terra de Moab (Dt 1,5) quando o povo estava prestes a entrar na terra prometida. Trata-se de um aprendizado, uma pedagogia da liberdade e da justiça, a fim de construir uma sociedade em aliança fiel com o Deus que liberta e dá vida para todos (Dt 4,40; 6,24-25; 8,1-5). Nessa perspectiva, o Deuteronômio apresenta Moisés, que reúne o povo e faz o seu “discurso de despedida”, uma exortação direcionada à fidelidade para com o Senhor. Ele relembra o passado e indica as possibilidades e perigos do futuro (Dt 1-4), dá instruções para a vida na terra (5-28), estipula uma Nova Aliança em Moab e passa o cargo a Josué (29-31). Pronuncia, depois, o seu cântico e bênção (Dt 32-33), sobe ao monte Nebo, contempla a terra prometida e morre (Dt 34). O livro se apresenta como um longo e dramático apelo à conversão, dirigido à liberdade de escolha entre o Deus vivo e os ídolos, entre a liberdade e a escravidão, entre a vida e a morte.
Frei Carlos Mesters aponta os 7 temas centrais abordados no livro do Deuteronômio: 1) o perfume do amor – ser a revelação do amor de Deus no mundo; 2) a memória – quem perde a memória perde o rumo na vida; 3) o serviço – pelo seu jeito de servir, o povo revela o rosto de Deus; 4) o êxodo / a saída – nunca esquecer o passado, viver em estado de êxodo, nunca se acomodar; 5) a comunidade – “entre vocês não pode haver nenhum pobre” (Dt15,4), se observamos a lei de Deus, não haverá pobre; 6) a libertação –Deus nos libertou da escravidão do Egito; 7) a aliança – compromisso mútuo entre Deus e o seu povo.
A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”, e como lema “Viu, sentiu compaixão, e cuidou dele” (Lc 10,33-34), despertando nos fiéis o compromisso com o cuidado da vida dos irmãos, sobretudo os mais desprotegidos e caídos à beira do caminho.
O Livro do Deuteronômio nos ajuda a refletir sobre a realidade que vivemos hoje. Alguns enfoques que nos ajudam a ler e interpretar os textos do Deuteronômio são pontuados a seguir:
- O lema do mês bíblico é mais do que atual: “Abre tua mão para o teu irmão” (Dt 15,11). O que significa que não basta ver a realidade dos irmãos pobres e sentir piedade. A Palavra de Deus exige ações concretas, pois do outro lado estão nossos irmãos empobrecidos e seu grito de dor.
- No Deuteronômio, tantas vezes Moisés exorta o povo a olhar para o passado e recordar que foi escravo no Egito. Se agora é um povo livre, deve caminhar, ir em frente, formar uma sociedade baseada na liberdade, sem repetir o que ocorreu no Egito na nova terra, mas sem perder a memória histórica.
O sonho anunciado no Deuteronômio encontrou eco nas Palavras de Jesus: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Um grito profético surge do Deuteronômio: “Escuta, Israel!” (Dt 6,4). Fidelidade a Deus e à vida! Hoje, Deus também nos convida a escutar, ouvir a sua voz, ouvir a voz do irmão que está ao nosso lado, ouvir seus clamores e estender-lhe a nossa mão!
Oração: Senhor, ilumina-nos para que possamos estar sempre com o nosso coração aberto para ti e para os nossos irmãos que mais precisam de ajuda. Que neste mês da Bíblia, dedicando mais tempo para ouvir a Sua Palavra, possamos buscar fazer a Sua vontade, colocando nossos dons a serviço da comunidade e do Senhor. Amém.
Referências:
Se meu irmão me estende a mão: https://www.youtube.com/watch?v=nzTiVCTx4aY
Introdução do Texto-base: Mês da Bíblia 2020 – Livro do Deuteronômio.
Vídeo: Frei Carlos Mesters fala sobre o Livro do Deuteronômio em entrevista a frei Gilvander - 15/01/2020